quarta-feira, 7 de maio de 2025

Escrita criativa | Textos dos alunos de 12.º ano

 Talvez ainda possa sonhar

 

E se te dissesse que és diferente de todos os outros? Que, ao contrário do resto do mundo, és incapaz de sonhar? 

Todas as noites deitas-te à espera de algo que nunca chega. Enquanto os outros se perdem na imaginação da noite, tu ficas apenas na escuridão, preso no vazio. No início, não deste importância. Talvez fosse apenas cansaço, talvez não fosses como os outros, mas, com o tempo, começas a perguntar-te. Porquê? Por que é que não consigo sonhar?

Os dias passam e a sensação de que algo não está bem cresce. Começas a reparar nos detalhes que não faziam sentido. As ruas eram sempre estranhamente iguais, as pessoas repetem as mesmas palavras e gestos. Os reflexos nos espelhos parecem diferentes, desfocados…irreais, como se não pertencessem verdadeiramente a este mundo. E então, num momento repentino de lucidez, tu apercebes-te: Algo em ti está ausente. Tu estás ausente. Nunca estiveste aqui, pelo menos não como pensavas. Este tempo todo, esta experiencia extenuante sem sonhos, não passava de um eco, uma tentativa de auto preservação da tua consciência.

Talvez um acidente, uma doença, um fim inesperado. O teu corpo já não está aqui, mas a tua consciência recusou partir. Agora percebes por que não consegues sonhar, porque, para sonhar, é preciso estar cá. E tu... tu já não estás. Talvez ainda possas acordar. Ou talvez isto seja apenas mais uma tentativa de te tentar salvar do vazio da tua morte.

Sara Salgado, 12ºE

 

Tenho medo do ponto final.

 

            Os dias passam, correm, atropelam-se. Ontem eu ainda era criança, hoje falam-me do futuro, de escolhas, de responsabilidades. Mas eu ainda nem sei quem sou. Nem sei o que quero. Só sei que o tempo não abranda, não espera. Amanhã já sou adulta, trabalho, tenho contas para pagar. Depois de amanhã tenho trinta, depois quarenta, depois cinquenta. E quando dou por mim tudo passou. Corro o mais rápido que posso, tento acompanhar, tento apanhar o tempo antes que ele desapareça mas ele só foge de mim. Os amigos mudam e os lugares que antes conhecia como a palma da minha mão já não são os mesmos. Dizem que crescer é assim, que é normal. Mas se é normal, por que é que me sinto perdida? Por que é que cada segundo parece um dia, e cada dia parece um ano? Por que é que tudo acontece tão depressa? Não consigo respirar. Não consigo parar de correr. Sinto que se o fizer vou ficar para trás. Que o mundo continuará sem mim. Eu não quero isso, mas também não quero continuar assim. Não quero correr para sempre, quero parar para respirar. Queria que alguém carregasse no botão de pausa, mas ninguém carrega. Ninguém espera. Ninguém abranda. E no fim de tudo, no fim de todas estas vírgulas, há apenas uma coisa à minha espera, e essa sempre esteve parada.

            O ponto final.

Sara Costa Nº23 12E

 

O Café de Domingo

 

Era domingo, como sempre. O cheiro a café misturava-se com o das torradas acabadas de fazer. Sentei-me na mesa do costume, a terceira junto à janela, de frente para a minha mãe, que já folheava distraidamente o telemóvel enquanto esperávamos para sermos atendidas.

            O empregado trouxe-nos o habitual sem perguntar. À minha frente, uma torrada e uma meia de leite, à frente dela, uma regueifa e um galão. Sorri-lhe, e ela sorriu de volta, num daqueles pequenos gestos que dizem mais do que parece.

            O café estava cheio, eram dez da manhã, falava-se alto e discutiam-se banalidades, mas para nós aquilo era quase um refúgio. Uma espécie de pausa antes da correria da semana seguinte, um momento nosso, tão simples.

            Ela partiu a regueifa, passou um pedaço na espuma do galão, fez uma careta quando se queimou. Ri-me. Disse-me que um dia eu ainda ia aprender a gostar de café como deve ser, sem açúcar. Encolhi os ombros.

Lá fora, a rua seguia o seu ritmo apressado, indiferente ao nosso pequeno ritual. Os carros passavam apressados e as pessoas encolhiam-se nos casacos, mas ali dentro o tempo parecia andar mais devagar. A meio da torrada, lembrei-me de uma coisa qualquer e contei-lhe. Riu-se como só ela se ri, sem filtros. Por um instante, pareceu-me que nada mudava e que aqueles domingos seriam eternos.

A chuva começou a cair, desenhando pequenos rios no vidro. Ela olhou para o relógio e disse que devíamos ir andando. Terminei a meia de leite, vesti o kispo e antes de sair olhei para trás. Talvez voltássemos no domingo seguinte ou talvez não. Mas por enquanto voltávamos sempre.

 

Catarina Borges, 12ºE

 

 

A ilha que há em mim

 

O inefável homem na lua submete-se ao juízo dos velhos,

e as pedras quentes do fim do dia

aquecem novas histórias, velhas perdas.

Os feixes de lenha que desciam

das alturas rochosas em vertiginosa viagem,

assobiando como jactos inverosímeis,

deram lugar a uma lua gorda, silenciosa.

 

O eterno marulhar das ondas,

para lá de outras pedras quentes,

afirmava o mistério e o doce encanto

de abissais sereias, viajantes submersas,

abrasadoras, que, sem sobressalto e sem pressa,

se entregaram em nossa companhia.

 

Inefáveis como o homem na lua,

incríveis como gigantes em furnas côncavas,

ou como as luzes bailarinas nas serras vazias,

fantasmas que vagueiam pelas penedias,

 

assim somos na bússola da fantasia.

 

Jorge V. Santos



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